quarta-feira, 26 de abril de 2006

Annency


Uma das coisas boas da vida é pegar uma estrada e seguir por ela, vendo a variedade de paisagens que vão aparecendo diante dos nossos olhos. No caminho de Arles para Annecy, nessa época do ano, vê-se muitas árvores sem folhas, mas muito floridas. Santa ignorância! Serão cerejeiras, com aquelas tonalidades róseas que vemos em cartões postais do Japão?  Serão macieiras, aquelas com flores brancas nos galhos, ou talvez ameixeiras? Quais os nomes delas?… A paisagem é de um campo bem cuidado e colorido, levemente ondulado, sempre com pequenas propriedades rurais, com suas casas e canteiros. A viagem se torna um passeio. Indo-se pelas estradas secundárias, vai-se passando por dentro de pequenas vilas e aldeias, onde o ambiente transmite a paz dos interiores. Foram 367 km neste ambiente, mais ou menos umas seis horas, com algumas paradas, é claro.
Annecy fica à beira de um lago no pé dos Alpes, com água límpida refletindo montanhas nevadas; tem uma parte antiga, cortada por riachos, com ruas estreitas de pedestres, o que sugere o apelido apropriado de Pequena Veneza. É agradável passear pela beira do lago, observar os patos e cisnes nadando e o pessoal dos esportes náuticos aproveitando do tempo ensolarado. Ao longo das margens do lago, há muitas casas grandes que parecem ter sido feitas pra gente abonada passar férias.
Na parte histórica, viaja-se pelo tempo ao caminhar por ruelas, de casas assobradadas e antigas, da época em que ainda não se sonhava com o automóvel. De quando em quando, chega-se a alguma praça repleta de gente a conversar e bebericar nos bares que espalham mesas e cadeiras pelas calçadas. Não dá para resistir, é sentar, também pedir alguma coisa e deixar-se ficar… Tudo muito zen.  Mas, ainda na parte histórica, à beira dos riachos que cortam a cidade, é que estão os lugares mais bonitos com suas pequenas pontes enfeitadas por vasos de flores; o que dá um toque de classe à pequena Annecy. Há algumas cidades que parecem ter sido feitas para se passear, Annecy é uma delas.

Luzern


No domingo de Páscoa acordamos cedo, pegamos o carro rumo a Luzern. Resolvemos tomar o café da manhã em Geneve. Como era de se esperar num domingo pela manhã, a cidade dormia, estava vazia, toda a gente em suas casas. Por um momento pensamos que iríamos ficar em jejum. Mas anda pra cá, anda pra lá, surge a nossa frente um belo Café e com vaga próxima para estacionar, foi a glória. Depois de comermos descemos em direção ao lago para fazer o nosso Cooper e apreciar mais uma vez, de outro ângulo, os famosos Alpes nevados. 
Seguimos para Luzern. Como era domingo de Páscoa e estávamos na Suiça, terra que tem fama de bom chocolate, logo que chegamos à cidade tratamos de conferir. Não decepcionou, pelo contrário, é ótimo. Mais uma cidade que se situa junto a um lago, Luzern ou Lucerna, porém, é muito maior, mais imponente e agitada que Annecy. O seu centro histórico fica na margem do rio Reuss. Com uma boa dose de sorte, chegamos ao nosso hotel, como se já conhecêssemos a cidade de longa data. O idioma dominante é o alemão, muito interressante! Começamos a etapa de nossa viagem, onde por necessidade e não boniteza, vira-se poliglota e mímico, junta-se tudo o que já se aprendeu um dia para se comunicar, ao fim dá tudo certo, ou quase tudo. Passa-se a comer muita batata e escolher pratos sorteando com o com o dedo. Encontramos um garçon italiano que se fez de desentendido quando pedi água tornerale; só pode ser porque a companhia de águas daqui não é muito boa.
Logo, fomos atraídos por um programa de ida a uma estação de esqui. Pegamos um trem até Engelberg e de lá três teleféricos até Titlis, 3020 m. de altura. Só neve! Temperatura –1°. É como mergulhar dentro de um cartão postal, comentou Lena. Uma aventura e tanto, subir acompanhados de esquiadores de todas as idades, e lá de cima ver o pessoal deslizando pelas trilhas, vendo as montanhas nevadas cada vez mais próximas de nós. A vontade é de fotografar sem parar. Fazer bonecos de neve. Sentir-se criança. Gozar com a deslumbrante vista.
A curiosidade da viagem ficou por conta de uma portuguesa que trabalhava no restaurante em que comemos no alto da montanha, que cuidou de nós e orientou-nos na escolha dos pratos e vinho. É quando se viaja que os anjos da guarda aparecem, e pelo jeito eles entendem de comida e bebida. Salvos pelos anjos.

quarta-feira, 19 de abril de 2006

Arles


Quando se chega ao Sul da França, mais precisamente à região da Camargue, a paisagem já começa a sugerir que coisas diferentes vêm pela frente. E não dá outra coisa. A nossa motivação para fazer uma parada na cidade de Arles era a de fazer um curso de culinária, que uma colega tinha dado a dica. Na verdade era mais do que isso, era a de se hospedar numa pousada de um casal: ele francês nascido na região e ela americana de perto de Nova Iorque. O curso consistia em uma preparação em conjunto de um jantar completo. Desde sair de manhã às compras dos ingredientes e temperos na conhecida feira de Arles, até à tarde, a partir de cinco horas, reunir o grupo (um casal de americanos, nós e mais o casal anfitrião dono da pousada) na cozinha para prepararmos a refeição da noite. Começamos a nossa “festa de Babette” particular. O menu planejado pelo professor consistia de uma entrada de aspargos verdes, Asperges au Sauce Maltaise, cozidos em feixes amarrados com barbante, regados com um molho de maionese feito com mostarda e suco de laranja vermelha. Um primeiro prato que era uma espécie de torta de berinjela, Papeton d’Aubergine, regada com um molho de tomate com alcaparras e suco de limão siciliano ralado com alho. Um segundo prato: camarões grelhados em espetos, entremeados de meias-rodelas de tangerina, temperados com suco de limão. O prato principal eram lulas, Les Tautènes Farcis à la Sauce Tomate, recheadas com tomate, peixe (tamboril) e uma pasta de salsinha com arroz. Uma vez cobertas por molho de tomate foram ao forno. Tudo com muitas herbes de provence. A sobremesa foi uma torta Mille Feuille/Napoleon recheada de creme e pedaços de morango e com respingos de chocolate na cobertura. Ia me esquecendo, antes do jantar, distraidamente, um aperitivo: vinho de Cassis, acompanhado de ostras frescas. Os detalhes todos da preparação dos pratos eram explicados pelo chef e feitos por nós, desde a limpeza de todos os ingredientes, seus cortes e misturas. Foram três horas de preparação que passaram num tris. O jantar, regado à três tipos de vinho, foi como um sonho de uma noite de primavera.
Arles é uma cidade que vem desde a época romana, não é murada, o que lhe garante uma vida normal, não é uma cidade museu, é cheia de vida, suas ruas são estreitas e mesmo assim os carros circulam por elas, como era de se esperar, às vezes o trânsito para e nem por isso as pessoas buzinam, parece que elas já aceitam normalmente, que esperar é preciso. Uma curiosidade da cidade é que nela ainda há corrida de touros, realizada justamente na arena romana que hoje tem arquibancadas “discretamente acrescentadas” para abrigar mais público ainda. Óbvio que touradas marcadas para a semana-santa não deixariam de ser recebidas também com protestos de ONGs de defesa dos animais. Foi em Arles que Van Gogh passou dois anos de sua vida, onde esteve internado por loucura, cortou sua orelha e onde pintou alguns de seus quadros mais conhecidos. A cidade até hoje reverencia o pintor. Andar pelas ruelas de Arles é como passear pelo tempo, uma cidade cheia de história que preserva suas casas e construções antigas. O passado da presença romana é o ar que se respira o tempo todo, num ambiente francês interiorano típico que procura valorizar o que lhe é próprio e receber bem a todos que lá chegam. 

Barcelona


Quem não pensou um dia em fazer desenhos, pintar, construir coisas novas? Talvez fazer uma casa que tivesse lugares gostosos para ficar? Pois há pessoas que conseguem realizar estes pensamentos, viram arquitetos. Há um em particular que levou sua criatividade ao limite. Não é que cem anos não foram suficientes, em pleno séc.XX, aquele mesmo no qual o homem pisou na Lua, para terminar a construção da Catedral por ele criada! Antoni Gaudi. Ele está sepultado, em uma cripta, na inacabada catedral da Sagrada Família, cuja obra foi por ele iniciada em 1883. Faleceu em 1926, no entanto sua construção está longe de estar concluída, embora continue em obras. É uma incrível e monumental obra de arte, de curvas e detalhes preciosos, que será uma Igreja, ou será um mausoléu a este incrível artista. Tudo em Barcelona respira a Gaudi e a criatividade de artistas e arquitetos. O parque Güell, projeto de um “condomínio” de casas, também concebido por Gaudi, nos faz viajar por seus sonhos. Há por toda parte em Barcelona as marcas de sua influência, parece que há uma arquitetura antes e depois dele.  Não que não houvesse outros brilhantes arquitetos contemporâneos a Gaudi. Por exemplo, o Palau de la Musica Catalan, de Lluís Domènech i Montaner , encomendado por um grupo de canto coral para cultivar as tradições catalãs, é outra obra de indescritível beleza, com intensa programação musical, onde, em um domingo de manhã, pode-se ouvir uma primorosa interpretação do Réquiem de Mozart em coral e orquestra. Gaudi abandonou as linhas retas, a simetria e suas colunas são quase sempre inclinadas; tudo com muita cor, utilização de material reciclado de vidro e desenhos únicos. Já a de Montaner é simétrica, com motivos florais, convida-nos a entrar em um palácio-jardim. Creio que depois de conhecer as obras de Gaudi nenhum arquiteto será o mesmo.
Barcelona também é muito agito, por todos os cantos há bares servindo “tapas”, a beleza de suas ruas e a cordialidade dos catalães com seu idioma que às vezes parece fácil, e outras vezes não se entende xongas (quer dizer picas em Catalão). Curtir a cidade é também passear pelo calçadão de mais de um quilômetro da Ramblas de Santa Mônica, o maior “footing” da Terra, um mundo de gente a caminhar, onde a cada quatro ou cinco metros encontra-se um ou uma performer, com gente à volta. Pode-se ver gente-estátua de todos os tipos: diabos, soldados, Michel Jackson, a gordona, Cleóprata, Nero, cowboys, apaches, etc. As pessoas parecem alegres, por toda a parte; os restaurantes só abrem às 13:30 h. para o almoço e às 20:30 h. para o jantar. Uma cidade sempre em festa convida a todos para ficar, para vive-la. Mas Barcelona é principalmente o Barça, clube de futebol que apaixona a todos na cidade, e Roni, como é chamado o nosso Ronaldinho Gaúcho, que é tratado com um carinho impressionante. Até mesmo quando perde o penalty, como o que aconteceu contra o Benfica pela copa dos campeões, a torcida o aplaude, como a lhe dizer, ‘não tem problema, você resolve depois’, e ele resolve mesmo, além de dar exibição de técnica e inteligência. Sem dúvida, é o melhor jogador dos dias de hoje.  Ir ao estádio do Barça assistir a Ronaldinho, Eto-o, Deco e companhia, para quem gosta de futebol, é como ver um espetáculo singular, que não mais se repetirá, mesmo que se repita no jogo seguinte. Só há, um porém, por estas bandas de cá, a água parece ressecar tudo, até pincel de barba pede um cremezinho para se safar.Ah! Barcelona quantas coisas mais tens a dizer ….  

terça-feira, 4 de abril de 2006

Lisboa

Quanto charme, quanta paz, quanta singeleza. É Lisboa neste começo de primavera. Já faz calor e os dias começam a ficar mais longos. Reencontramos a cidade em um domingo à tarde, caminhamos da Praça dos Restauradores até a velha Sé. Claro, passamos pelo Rossio, a Praça Dom Pedro IV. A estátua do imperador está sobre um obelisco muito alto que não se dá para ver direito como ela é. Fiquei a perguntar-me qual terá sido a intenção do artista? Seria a de homenageá-lo elevando-o a tal altura, ou talvez escondê-lo lá encima. Sabe-se lá como o autor percebeu a figura histórica do nosso imperador Pedro I, fundador do Brasil independente e depois guerreiro que lutou pelo trono português, denominado aqui de Pedro IV. A saga emocionante deste homem, em um período extremamente conturbado da vida européia, como terá batido na alma do arquiteto deste monumento?Mas enfim, seguimos em frente em direção à Sé, fomos pela Rua Augusta e dobramos à esquerda na Rua da Conceição. Como era um domingo, já ao entardecer, parecia que todas as pessoas que estavam a caminhar, estavam como nós, a passear.Ao entrarmos na Sé, havia uma Missa solene, celebrada por um bispo, estava repleta e as pessoas cantavam como se fizessem parte de um grande coro. Eram músicas antigas que pediam que o Senhor tivesse piedade delas e talvez também de nós. Um ambiente único, pois uma catedral tão antiga parecia ainda estar em seus dias de glória. Esta catedral surpreende, vista de fora, projetada em linhas retas, sugere ser obra do mesmo autor do castelo de São Jorge, assemelhando-se a uma fortificação. Mas vista de dentro suas linhas são curvas e as naves tradicionais dominam o desenho interno, sentimo-nos dentro de uma catedral medieval.Mas fomos em frente,  à procura do Clube de Fado, que um amigo artista, de Porto Alegre, violonista, havia nos sugerido. Este clube (restaurante com fado ao vivo) fica situado à Rua São João da Praça, às portas do Bairro de Alfama. Grata indicação, pois o lugar é “gira”, com excelente comida, músicos e cantores de primeira. Lá, pratica-se o fado, quanta dor de cotovelo misturando amargura e ironia. Encontra-se a velha Lisboa a cultuar suas tradições. Portugal não é mais o mesmo, está a cada vez melhor.E o Chiado, pá? Vai acabar dando o título à cidade, de capital romântica. Seus bares e recantos atraem a garotada a viver a noite Lisboeta. O espírito boêmio de Pessoa está presente, permeando todo o ambiente. O Chiado está para Fernando Pessoa como Ipanema para Vinicius de Moraes. Como em diversas cidades do mundo, hoje em dia, em Lisboa ouvem-se muitas línguas: européias, africanas e também asiáticas, é uma cidade cosmopolita. Há várias exposições e vida cultural intensa. A diferença é que aqui se fala o português e encontram-se muitos brasileiros trabalhando nos bares, restaurantes, hotéis e serviços em geral.Lisboa velha cidade cheia de encanto e beleza sempre formosa a sorrir e a vestir sempre airosa ……