sábado, 23 de setembro de 2006

Açores


Pensei que não existisse mais, ou, talvez, não houvesse sequer existido, um lugar onde não se ouvisse um mendigo a pedir esmolas “pelo amor de Deus”. Nem cidades e campos sem a presença de policiais. Sem se escutar discussões ou bate-bocas nas vias públicas. Apenas um espaço ocupado por vivendas de diversos tamanhos, na maioria térreas, sendo exceção ter mais de um piso; casas construídas geminadas ou em terrenos quase sempre sem muros a separá-las. Estradas floridas e campo plantado.
Pois, percorremos durante três dias a ilha de São Miguel, nos Açores, passando por vilas e pequeninas cidades, atravessando um ambiente rural, onde domina a presença das vacas holandesas, em estradas todas elas parecidas com aquelas das serras gaúchas, Campos de Jordão ou Itatiaia, vendo hortênsias novas misturadas às murchas, lírios cor de rosa, flores amarelas em cachos; apreciando as misturas em azul, branco e ocre, tons sobre tons, todos os tons. Vimos plátanos com troncos de cor ferrugem formando alas à beira da estrada, assobradando o asfalto e colorindo as curvas e retas do nosso caminho. Um lugar onde o mar, a vida urbana, a vida rural e as belas paisagens convivem simplesmente.
Visitamos apenas a Ilha de São Miguel, mas o arquipélago dos Açores compõe-se de nove ilhas: São Miguel, Terceira, Santa Maria, Pico, São Jorge, Graciosa, Faial, Corvo e Flores. Seu nome se deve a um tipo de falcão que, segundo dizem os guias turísticos, os primeiros navegadores que aqui aportaram teriam visto. Falam que eram urubus as aves que eles avistaram ao se aproximarem da ilha de Santa Maria em 1427. Hoje em dia, há muitas gaivotas e fragatas sobrevoando e se alimentando de peixes e naturalmente curtindo a vista lá de cima. Há também algumas aves que se assemelham a gaviões, quem sabe não possam ser apelidados de Açores.
A capital da ilha de São Miguel é Porto Delgado. Uma cidade muito parecida com as nossas brasileiras, de arquitetura colonial portuguesa, que nos faz sentir em casa. Parece-se com Paraty, Itanhaém ou Diamantina há cinqüenta anos atrás. Singela mistura de história, simplicidade e acolhimento. Lá tivemos a chance de assistir a uma banda de fado liderada, por um emigrante açoriano que foi viver na Holanda. A Banda Quatro Ventos é composta também por músicos holandeses, que se apresentaram na casa de espetáculos local, o Teatro Micaelense. Fez arrepiar quando tocou o fado “Adeus Macau”, narrando a saída portuguesa da China. A música chora pelos Lusíadas, pela nação de navegadores e pelos inventores da saudade.